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Diário de bordo: mais de mil dias entre o céu e o mar de olho nas tartarugas

05/07/2016 - Acompanhe um pouquinho da vida dos observadores de bordo do Tamar. Leia mais. ↓

Diário de bordo: mais de mil dias entre o céu e o mar de olho nas tartarugas

Luiz Maçaneiro

A vida dos observadores de bordo, profissionais que trabalham para monitorar a pesca e proteger as tartarugas no mar, é fonte de inspiração para quem está em terra. Embarcados por mais de vinte dias em cada cruzeiro de pesca, acumulam milhares de horas e colecionam aventuras. Sempre dispostos a enfrentar tormentas porque acreditam que é necessário e viável proteger esses seres que também merecem viver, Luiz Maçaneiro e Caiame Januário seguem as rotas das tartarugas em busca de liberdade para as tartarugas e para suas mentes e corações cheios de esperança. Fortes aliados da conservação marinha, monitoram mais de 200 milhas mar adentro e dão o suporte fundamental para salvar uma a uma, cortando linhas, desenganchando anzóis, sendo pacientes e resilientes.

O dia do observador de bordo é bastante intenso, pois há que se acompanhar toda a faina, desde o lançamento, recolhimento, manipulação e conservação do pescado. Dentro da embarcação existem horários a serem seguidos para as refeições e descanso. O lazer ocorre em pequenas e muito valorizadas ocasiões. São quase monges. Leitura, rádio, música e filmes, sempre em horários restritos, a depender da modalidade de pesca. O sono também é limitado, pois é preciso estar sempre atento, alerta, e pronto para o que vier.

Observadores de bordo são profissionais, normalmente da área biológica (oceanografia, biologia, eng. ambiental e áreas afins), que trabalham em barcos pesqueiros embarcados durante o cruzeiro de pesca. Sua função é o acompanhamento da pescaria, da produção e das capturas incidentais de tartarugas marinhas, devolvendo ao mar aquelas com boas condições de saúde e cuidando das que precisam de alguma ajuda. Coletam informações sobre as tartarugas, outras espécies ameaçadas capturadas incidentalmente, registram informações do uso das tecnologia de pesca, de manipulação do pescado, de captura do pescado, alterações climáticas e oceanográficas. Um trabalho que traz resultados ricos em dados para a pesquisa e conservação, para as políticas públicas de proteção e que registra o que acontece longe dos olhos da maioria das pessoas. São os guardiões e protetores dos bichos do mar, pois também ajudam a proteger albatrozes, baleias, golfinhos e todos os animais que não são as espécies procuradas por aquela pescaria específica e acabaram sendo capturados involuntariamente.

 “Sempre procuro falar um pouco com cada um da tripulação sobre questões ambientais como lixo, importância das espécies e sua função no ecossistema, principalmente as espécies ameaçadas de extinção”, conta Caiame Januário.

Observadores e pescadores – Normalmente, a relação do observador com o pescador é até certo ponto ambígua, pois fica no limite, numa linha tênue entre o respeito, por um lado, e, por outro, uma certa desconfiança, pois o observador tem de registrar tudo que se passa a bordo. Quando o observador faz seu papel e não interfere em questões voltadas à tripulação e à embarcação, este passa despercebido e consegue realizar seu trabalho sem problemas. No entanto, quando o observador começa a criar problemas a bordo, como intolerância, arrogância e depressão, este pode vir a ter que conviver com adversidades mais pesadas. Por isso, o convívio respeitoso num ambiente confinado é de suma importância.

“Sempre me relacionei super bem com os pescadores. São pessoas e profissionais fora de série, sabem bem o que fazer e quando fazer, sempre prestativos e disposto a ajudar. Muitos não sabem ainda o papel e a importância de um observador de bordo, até porque no Brasil o observador não tem visibilidade quanto a sua importância para um todo, muitas vezes acabam nos confundindo até com fiscais. Dessa forma, muitas vezes, eles podem mudar hábitos e até mesmo a área de pesca com receio de sofrerem punições. Com o contato constante dos observadores com as embarcações, cada vez mais temos resultados positivos, como por exemplo a adesão cada vez maior por parte deles à substituição do anzol “jota” pelo anzol circular. Ele pega menos tartarugas e mais peixes. A boa relação com eles é muito importante para que possam compreender o nosso papel e que podem confiar em nós”, diz Caiame.

Os maiores desafios do observador de bordo são as adversidades climáticas, a distância de terra, o confinamento, a falta de informação da família e amigos e os conflitos psicológicos e sociais. Este profissional é um ser errante, vai de acordo com a maré. Em um momento está numa embarcação e outro está noutra, uma hora está num porto e noutra hora está em outro porto. Para uma boa realização do trabalho sabe que precisa não pensar em terra, pois seu apego a ela pode torná-lo depressivo e prejudicar o trabalho e a convivência a bordo. Entretanto, os próprios observadores dizem que é um trabalho fascinante e que gera conhecimentos de bastante solidez.

“Alguns episódios são marcantes quando estamos embarcados. Um dos mais relevantes foi quando enfrentamos durante 12 horas ondas que chegavam a 9 metros de altura, e não conseguíamos dormir nem comer. Outro momento inesquecível foi ficar embarcado durante 85 dias com senegaleses, espanhóis, brasileiros e moçambicanos, em um intercâmbio cultural fantástico, mas também com diversos problemas entre os tripulantes. Posso também dizer que a ida até a Ilha da Trindade, a 7 dias de viagem da costa brasileira, foi uma experiência incrível, quando pudemos presenciar a natureza rica e viva ao extremo. Fora outros tantos, pois fiquei 1.370 dias embarcado durante 10 anos”, relata Luiz Maçaneiro. “Este período que trabalhava embarcado foi uma etapa da minha vida em que pude ter um aprendizado surpreendente, em algo que é muito difícil de explicar com palavras. Foi um momento que pude vivenciar a natureza com mais intensidade me levando a vários questionamentos, principalmente filosóficos. Um grande aprendizado científico e pessoal”, diz Maçaneiro.

Tartarugas marinhas e a pesca O Tamar iniciou a proteção das tartarugas marinhas em terra, em 1980, e a partir dos anos 90, começou a trabalhar com a pesca incidental em áreas de alimentação de tartarugas marinhas. Desde 2001, executa o Programa Interação Tartarugas Marinhas e Pesca para enfrentar a mortalidade desses animais causada pelas diferentes pescarias. O programa inclui diversas ações junto às frotas de espinhel de superfície (sul e sudeste) e de arrasto (nordeste). Realiza embarques de observadores para monitoramento e implementação de medidas mitigadoras (anzol circular, desenganchador de anzol e cortador de linha) para reduzir a captura e a mortalidade das tartarugas. Os pesquisadores trabalham em interação direta com os pescadores. Constantemente, são realizadas entrevistas com mestres das embarcações para caracterização das pescarias e compartilhamento de informações. Os resultados dos testes com o anzol circular, por exemplo, são divulgados através de vídeos, palestras e conversas com os pescadores.

Através deste Programa, o Tamar, em parceria com outros projetos e programas de pesquisa e conservação, monitora uma parte importante da frota de espinhel de superfície que atua no sudeste e sul do Brasil e em águas internacionais em frente às costas brasileira e uruguaia, região onde são registradas altas taxas de captura de tartarugas marinhas, principalmente de tartaruga-cabeçuda (Caretta caretta) e tartaruga-de-couro (Dermochelys coriacea).

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